terça-feira, 18 de maio de 2010

Alfredo Bosi: ensaio sobre seis séculos da acidentada civilização ocidental

SÃO PAULO - Logo no início de Ideologia e Contraideologia, Alfredo Bosi, professor titular de literatura da USP, cita o ensaísta francês Montaigne, que, falando dos nativos do Novo Mundo, disse: "Cada um de nós chama barbárie aquilo que não é de seus hábitos." Providencial lembrança. Como Montaigne no passado, Bosi observa apreensivo o recrudescimento do fanatismo e da intolerância no mundo contemporâneo, responsáveis pela erosão dos valores democráticos.

Seu livro, um ensaio sobre seis séculos da acidentada civilização ocidental, começa com Montaigne (1533-1592), passa por Locke (1632-1704), Condorcet (1743-1794), Comte (1798-1857), Durkheim (1858-1917) e Gramsci (1891-1937) até chegar ao mais estudado entre os livros de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que o autor denuncia "a ideologia excludente e preconceituosa do velho liberalismo oligárquico" brasileiro. Sobre Ideologia e Contraideologia, o ensaísta e crítico, membro da Academia Brasileira de Letras, falou ao Sabático, leia a entrevista a seguir um trecho da entrevista.

Atualizando uma questão proposta a Rousseau pela Academia de Dijon, o senhor acha que a ciência - da informática, inclusive - contribui para o aperfeiçoamento dos costumes e da sociedade? A internet está forjando uma ideologia?

Apesar da enorme diferença de contexto que nos separa dos escritos de Rousseau, a questão que lhe foi proposta continua atual, pois ainda está longe de receber uma resposta única e satisfatória. Os acadêmicos de Dijon queriam saber se "o renascimento das ciências e das artes contribuiu para o aperfeiçoamento dos costumes". Já no século das Luzes percebia-se o descompasso entre a civilização material e a ética, instâncias que a maioria dos ilustrados supunha serem irmãs gêmeas. Hoje a perplexidade conhece alvos diferentes. A difusão maciça das técnicas e das ciências aplicadas se faz mediante os recursos da informática. A escala é planetária, o que torna difícil emitir juízos de valor sobre os seus efeitos mentais e morais. Parece mais sensato pensar a questão em termos de fins, ou seja, de motivações dos usuários. O cidadão que procura na internet informações idôneas que respondam a suas dúvidas ou a suas preocupações sociais e éticas se beneficia de dados que poderão ajudá-lo a desmontar as tramas da ideologia corrente. É o seu antídoto possível em relação a informações manipuladas pelo poder do mercado, da mídia alugada ou do Estado. Mas há também o outro lado da moeda, que é real: se os interesses do internauta forem egocêntricos ou agressivos, o mal assumirá proporções inéditas na história da humanidade, na medida em que se reforçam aspectos perversos de determinadas correntes ideológicas: o consumismo irresponsável, a idolatria do capital ou do Estado, os fundamentalismos de todo tipo. Não nos resta senão pensar e agir no sentido de contrastar com os meios disponíveis as perversões ideológicas com o sal da terra que é a contraideologia. Algumas de suas formas merecem ser contempladas: a crítica, os trabalhos da ciência e da arte, a autorreflexividade e algumas vertentes libertadoras da vida espiritual e religiosa.

Fonte: Caderno Sabático - O Estado de S. Paulo





Nenhum comentário:

Postar um comentário