quinta-feira, 6 de maio de 2010

Eu falo, tu falas

A comédia Apenas o Fim extrai seu vigor da carpintaria musical dos diálogos, evitando a banalização do texto

Preocupada com a necessidade de criar diálogos plausíveis que respeitassem a música verbal do cotidiano, Hollywood passou a recrutar dramaturgos e escritores para trabalhar como roteiristas de seus filmes a partir do início dos anos 1930, quando o cinema sonoro anunciou que tinha vindo para ficar.

Desde então, a indústria cinematográfica norte-americana aprendeu a valorizar diretores como Woody Allen e Quentin Tarantino por seu "ouvido", ou a capacidade de fazer com que seus personagens falem de acordo com ritmo, vocabulário, construções frasais e expressões que pareçam naturais.

Espectadores dependentes de legendas e de dublagens tendem a perder um pouco (ou, às vezes, um bocado) do que distingue esses cineastas. O ideal, para apreciar a qualidade dos "roteiristas de ouvido", é que o filme seja falado na língua materna, possibilitando identificar todas as "notas musicais" dos diálogos.

A comédia carioca Apenas o Fim constitui bom exemplo da busca por essa naturalidade verbal, sem que haja banalização do texto. Primeiro longa-metragem do diretor e roteirista Matheus Souza, com 20 anos na época do lançamento, ele adota a estrutura do "eu falo, tu falas".

O casal de protagonistas passa quase todo o filme fazendo o que se costuma ver (e ouvir) em filmes de Woody Allen e de Domingos de Oliveira: a prática da arte da DR (a "discussão da relação"), entremeada por observações bem-humoradas sobre assuntos variados do cotidiano e, em especial, sobre a cultura pop.

Ele (Gregório Duvivier) é um estudante universitário; ela (Érika Mader) é sua namorada. Ou, na verdade, ex. Quando o filme começa, ela o procura, pouco antes de uma prova, para dizer que vai sair da cidade, com destino não informado, e que os dois têm cerca de uma hora para as despedidas.

"Cinema de guerrilha", feito com equipamento da PUC-RJ e orçamento ínfimo, Apenas o Fim procura driblar a falta de recursos com um investimento na caracterização dos personagens que se alimenta com muito vigor, entre outros aspectos, da carpintaria "musical" dos diálogos.

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